Conta a lenda que dormia
Uma princesa encantada
A quem só despertaria
Um infante que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que tentado
Vencer o mal e o bem
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que a princesa vem
A princesa adormecida,
Se espera, dormindo espera.
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o infante esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela pra ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino,
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada a fora
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sonho ela mora.
E inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A princesa que dormia
Fernando Pessoa
Esse
poema chegou até mim em minha adolescência. Desde então, eu
sempre voltava a ele. E tanto, que acabei decorando (de cor - de coração). E meu
amor por esse poema está relacionado ao fato de que acho possível fazermos uma analogia
entre ele e os processos de autoconhecimento pelos quais passamos.
“Conta a lenda que dormia uma princesa
encantada a quem só despertaria um infante que viria de além do muro da
estrada”...
Quem
senão a gente mesmo é capaz de nos despertar para o nosso melhor? Para a
descoberta de nossas potencialidades? Podemos ter ajuda profissional, claro, e
é até muito bom que lancemos mão desses recursos. Mas ninguém acorda de um adormecimento na vida se não quiser.
“Ele tinha que, tentado, vencer o mal e
o bem, antes que já libertado, deixasse o caminho errado por o que à princesa
vem”... Aqui, eu leio:
Ele
tinha que se haver com sua sombra e sua luz, encontrar o seu caminho e
continuar buscando a si mesmo.
“A princesa adormecida se espera,
dormindo espera. E orna-lhe a fronte esquecida, verde, uma grinalda de hera”.
Por
muito tempo em nossas vidas, parece que a gente ficou adormecido e algumas
coisas acontecem, mas a gente não se lembra, ou tem a sensação de que não era
“a gente mesmo”, quando saímos dessa situação parece que saímos de um sonho, ou
de um pesadelo. Nessas fases podemos estar inclusive esperando por algo
externo, quando na verdade o que a gente mais precisa está no interior. A
“grinalda de hera” pode nos cegar por muito tempo...
“Ele dela é ignorado, ela pra ele é
ninguém”... Sem o autoconhecimento,
eu sou alguém que não sei que existe.
“Mas cada um cumpre o Destino – Ela
dormindo encantada, ele buscando-a sem tino,
Pelo processo divino que faz existir a
estrada”...
Mas
felizmente, sempre surgem oportunidades de descobertas interiores, de contatos
com nossa essência e parece que de maneira inconsciente, acabamos buscando por
isso. Que bom!
“E se bem que seja obscuro tudo pela
estrada a fora e falso, ele vem seguro. E vencendo estrada e muro, chega onde
em sonho ela mora”...
O
processo de autoconhecimento é complexo, pode ser difícil e doloroso, mas é sempre
recompensador.
“E, inda tonto do que houvera, à cabeça,
em maresia, ergue a mão e encontra hera. E vê que ele mesmo era a princesa que
dormia”.
Então,
a gente se encontra. Encontra a si mesmo e pode assim experimentar a primeira história
de amor que deveríamos viver... consigo mesmo... Desta forma, abraçando nossa sombra e nossa luz,
amando e respeitando cada pedacinho nosso, genuinamente, podemos compreender e
amar os outros. Amor maduro.
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