segunda-feira, 8 de julho de 2024

Eros, Psique e você: autoconhecimento através da poesia de Fernando Pessoa


 

O lema ‘querer é poder’ é a superstição do homem moderno. Para sustentar essa crença, no entanto, o homem contemporâneo paga o preço de uma incrível falta de introspecção. Não consegue perceber que, apesar de toda a sua racionalização e eficiência, continua à mercê de ‘forças’ fora do seu controle. Seus deuses e demônios absolutamente não desapareceram; têm apenas novos nomes. E o conservam em contato íntimo com a inquietude, com apreensões vagas, com complicações psicológicas, com uma insaciável necessidade de pílulas, álcool, fumo, alimento e acima de tudo, com uma enorme coleção de neuroses.  

 

Conta a lenda que dormia

Uma princesa encantada

A quem só despertaria

Um infante, que viria

De além do muro da estrada.

 

Ele tinha que, tentado,

Vencer o mal e o bem,

Antes que já libertado,

Deixasse o caminho errado

Por o que à Princesa vem.

 

A princesa adormecida se espera, dormindo espera.

Sonha em morte a sua vida,

E orna-lhe a fronte esquecida, 

Verde, uma grinalda de hera.

 

Longe o infante, esforçado,

Sem saber que intuito tem,

Rompe o caminho fadado.

Ele dela é ignorado.

Ela para ele é ninguém.

 

Mas cada um cumpre o Destino –

Ela dormindo encantada,

Ele buscando-a sem tino

Pelo processo divino que faz existir a estrada.

 

E, se bem que seja obscuro

Tudo pela estrada fora

E falso ele vem seguro,

E vencendo estrada e muro,

Chega onde em sono ela mora.

 

E inda tonto do que houvera,

À cabeça, em maresia,

Ergue a mão e encontra hera

E vê que ele mesmo era

A princesa que dormia.

 

Convido-os a fazer uma viagem comigo através desse belo e poderoso poema do grande Fernando Pessoa. Minha intenção é fazer um paralelo entre ele e a nossa busca pelo autoconhecimento, autenticidade e o desenvolvimento da maturidade psíquica. Esse caminho precioso, que nos permite avançar na vida com sabedoria e coragem.

Ao longo das nossas jornadas, temos guias, mestres, pessoas e acontecimentos que podem favorecer o nosso despertar, entretanto o principal personagem nessa história somos nós mesmos.

“Vencer o mal e o bem” pode representar a busca pelas nossas virtudes e colocá-las a serviço das nossas melhores intenções, sem desperdiçá-las e sem ficarmos excessivamente encantados por elas a ponto de nos tornarmos narcisos à beira do lago, prestes a nos perdermos na vaidade e no orgulho.

Autoestima é poder, mas narcisismo é a morte de qualquer possibilidade de construção de relacionamentos ricos. “Vencer o mal e o bem” também pode representar os desafios que forjam nosso caráter com hombridade.

“Se espera, dormindo espera” a gente se espera e nem sabe disso, e a espera termina quando percebemos que a maioria das coisas que buscamos fora na verdade está dentro. “Retirar a hera” e tomar contato com quem verdadeiramente somos: sombra e luz, forças e fraquezas, virtudes e vícios eleva nossa autoconsciência e a capacidade de agirmos com maior autenticidade e claro, poder.

Se olharmos bem, durante muito tempo nas nossas vidas vivemos como o infante e a princesa. Parcialmente consciente sobre quem somos. “Ele dela é ignorado, ela pra ele é ninguém”.  Mas estamos salvos, porque “há um processo divino que faz existir a estrada” e há o infante que não desiste da sua jornada, ainda que ela às vezes lhe apreça confusa, complexa e sem sentido.

E de tanto buscar, e por não desistir de nós mesmos, “vencemos estrada e muro” e nos tornamos quem somos. O desafio continua, pois o ciclo da vida trará outros pleitos, mas agora, mais conscientes, maduros e autênticos, seguimos com autoconfiança e coragem!

 

Espero que este texto lhe tenha tocado como tocou a mim à medida que o escrevia. O processo do autoconhecimento é para a vida, sempre teremos algo mais a descobrir. Eros e Psique habitam nosso ser e quando reconhecemos e acolhemos esse poder, transformamos nossas vidas e com sorte, também impactamos tantas outras.

 

Obrigada por estar aqui! Deixe seus comentários e compartilhe este artigo se fizer sentido!

Você sabia que posso lhe apoiar nesse processo de autodescoberta e evolução?

Se quiser conhecer mais sobre a história de Eros e Psique: https://www.fafich.ufmg.br/~labfil/mito_filosofia_arquivos/eros_psique.pdf

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Você tem dificuldade de dizer não?


Na semana passada comecei uma provocação no Instagram sobre a nossa dificuldade em dizer não. Uma dinâmica complexa no âmbito dos nossos relacionamentos que merece nossa atenção.

Afinal, porque a maioria das pessoas têm receio de dizer não?

Medo de desagradar, de perder o amor das pessoas, de ser incompreendido...

Sem perceber, no desejo de atender as expectativas alheias a todo momento, perde-se a oportunidade preciosa de suprir suas próprias expectativas e necessidades. Além da possibilidade de educar a si mesmo e ao outro construindo relações maduras. Quando temos essa postura de tentar atender todas as demandas dos outros, também há outras questões as quais devemos jogar luz e refletir: será que não digo não por que eu mesmo tenho dificuldade de aceitar o não? Será que faço mais do que posso ou deveria, porque no fundo quero manter uma posição de poder e domínio? Ou mais: quando faço tudo pelo outro, pelos grupos sociais dos quais faço parte: família, trabalho, amigos, espero que façam tudo por mim também?

Depois que você fizer essa avaliação de forma sincera, honesta e com muito cuidado, tenha em mente o seguinte:

Se você está o tempo todo disponível para todas as demandas que surgem, é bem provável que aspectos importantes sobre quem você é e o que é importante para você, estejam sendo negligenciados. Então, procure identificar se suas escolhas e ações estão revertendo os resultados que você almeja na sua vida. O que é mais importante hoje? Você tem encontrado e reservado tempo para essas coisas?

Com que frequência você diz coisas como: “Ah, eu adoraria fazer isso, mas não encontro tempo.” Não quer dizer que seja necessariamente porque está dizendo sim demais para os outros. Pode ser “simplesmente” falta de foco e dedicação, ou excesso de demandas no trabalho e na jornada de casa. Mas quase sempre, a dificuldade em atingir os próprios objetivos e garantir o seu bem-estar, passa por estar mais disponível aos outros do que a si mesmo.   

Outro aspecto interessante a observar é a sua experiência com os “nãos” que recebe: muitas pessoas com baixa autoestima, reagem aos “nãos” como se eles fossem uma constatação da sua falta de valor. Ou ainda, como uma afronta! Então convém refletir se você tem garantido a liberdade e respeitado a individualidade dos outros. Se percebe que a recusa de uma ideia ou projeto no trabalho, não quer dizer que suas ideias não sejam boas, ou que sua competência esteja sendo contestada.

E se principalmente, compreende que se alguém não está disponível, seja para lhe ajudar em uma atividade, para lhe fazer companhia em um evento, ou fazer qualquer programa com você, isso não quer dizer que você não seja importante para ela. Nem tudo é sobre você! Às vezes ela só está priorizando suas necessidades. De toda forma, tenha em mente que a sua autoestima é fortalecida pelas suas próprias crenças em suas características, valores e virtudes.

Antes de terminar, não posso deixar de mencionar as pessoas que jogam muito com essa questão. Seja porque são narcisistas, dominadoras ou imaturas (ou os três) e não aceitam ser contrariadas, seja porque se sentem tão carentes, faltosas e incapazes, que acabam ficando num estado de dependência que é ruim para todos os envolvidos.

Encerro propondo que você não negocie o inegociável, estabeleça seus limites e respeite os limites dos outros. Diga mais: “eu não vou”, “eu não quero”, “não estou confortável com isso”. E aprenda a ouvir e compreender essas posições. Essas mensagens dizem muito sobre a construção de relacionamentos ricos, maduros e prósperos. É claro que nas nossas relações também faz parte fazermos concessões. Mas precisa haver um equilíbrio. Senão, fica muito pesado e triste! 

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quinta-feira, 21 de março de 2024

A Inteligência Artificial pode se tornar um canal para a Intimidade Artificial?

 

 


"When we begin to make do with a simulation of reality we have been talking a lot about artificial intelligence but what about the other AI to what extent is artificial intelligence a conduit for artificial intimacy." Esther Perel

 

Então você sente aquele cansaço no fim do dia e tudo o que deseja é concluir o dia de trabalho para descansar. Quando enfim se encerra o dia, você liga a TV ou fica no celular, nas redes sociais, com a sua mente ocupada em algo que ao contrário do que se espera, gera mais desgaste e cansaço.

Além disso, você perde a preciosa possibilidade (se você não mora sozinho), de se conectar com as pessoas da sua família. Ou simplesmente – não que isso seja pouco, se conectar consigo mesmo, com a natureza, fazer atividades ao ar livre, uma simples caminhada, uma volta no quarteirão que seja, ou uma leitura valiosa...

Temos experimentado curiosidade e em muitos casos até mesmo receio diante dos avanços da Inteligência Artificial. Mas temos outro movimento sobre o qual poucos estão conscientes que é o da Intimidade Artificial. Você já ouviu falar sobre isso?  É um conceito trabalhado pela Esther Perel, que indica a falta de presença emocional e psicológica. Para estimular sua reflexão sobre o tema vou lhe fazer algumas perguntas:

Qual foi a última vez que você se conectou com as suas próprias emoções e sentimentos?

Qual foi a última conversa significativa, de conexão real no trabalho, com amigos ou em casa?

Quanto tempo do seu dia você tem se dedicado à reflexão sobre a sua vida, sobre você, para ouvir e conversar com as pessoas que você ama?

"De-risking and automating life is turning intimacy into a flat commercialized process that eliminates errors and it simultaneously is also atrophying the social muscles that we need to have successful relationships." Esther Perel

Avalie de forma muito honesta se você tem criado e permitido a intimidade real com as pessoas que são importantes para você. Você sente saudades da pessoa com quem você “divide a vida” mesmo morando na mesma casa e dormindo na mesma cama? Você tem conversado com seus filhos, pais, amigos, você sabe como realmente eles se sentem agora?

Talvez você tenha notado que algum colega no trabalho está diferente, com um comportamento incomum. Que tal convidá-lo para almoçar e perguntar como ele está? Que tal observar se você vem recusando a intimidade real, por medo de precisar se haver com tudo aquilo que te faz humano e também frágil, muitas vezes?

Parafraseando a brilhante Esther Perel, é preciso desautomatizar alguns processos nas nossas vidas, sob pena de perdermos a capacidade de desenvolver os músculos que precisamos para o sucesso nos relacionamentos!

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quarta-feira, 6 de março de 2024

Como está a sua capacidade crítica?

 

Temos acesso à informação como nunca, conteúdos de qualidade inestimável e também de qualidade duvidosa. As redes sociais deram voz a “influencers” de todo tipo, dos bons e úteis para a nossa sociedade a outros que sequer sabem sobre o que estão falando. (E esses últimos ainda tem milhares de seguidores.)

A capacidade de discernimento e crítica sempre foi importante, é claro. Mas se torna urgente no presente contexto.

Comece pela autocrítica: quanto você sabe sobre si mesmo? Quanto você é capaz de criticar sua conduta, suas escolhas, sua presença no mundo? Que tipo de ser humano você tem sido para si mesmo e para o seu entorno? Quanta maturidade e sagacidade você tem para avaliar os feedbacks que recebe? O que é importante observar e investir para a sua contínua evolução? Para que você não se torne obsoleto, desnecessário ou pior: uma influência nefasta para o mundo?

Quanto ao pensamento crítico: você é capaz de desenvolver suas próprias ideias sobre as questões centrais à sua volta? Ou tem apenas compartilhado, propagado as ideias de outros? Quanto você é capaz de criticar os pensamentos ou asserções das pessoas que você admira? Quem são as pessoas que você segue e por quê? Você tem o hábito de ler, ouvir podcasts ou assistir vídeos? Você consome conteúdo de fontes diversas?  Quanto você é capaz de se aprofundar nas suas pesquisas, discussões e interações em geral?

Perceba que a autocrítica e o pensamento crítico só podem existir na profundidade. E a superfície é um lugar muito inseguro e perigoso para se viver.

Não há nada mais terrível que a Ignorância” Goethe (1749-1832)

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Relacionamentos: expectativas, maturidade e possibilidades

 




Não procure o bem fora se você não sabe o bem que tem. Esse foi um insight que tive um dia desses. Como vocês sabem, venho buscando vencer algumas ideias que o Mito do Amor Romântico nos trouxe, fazendo com que tivéssemos cada vez mais expectativas em relação a um amor que estaria guardado para nós em algum lugar. “Em algum lugar, a pessoa certa me espera.” Não, isso não é verdade.

O que é possível é o encontro de dois humanos imperfeitos que decidem se dedicar a uma relação construída dia a dia por essas duas pessoas. Elas estarão dispostas a compreender uma à outra, mesmo em seus momentos mais difíceis. Estarão dispostas a perdoar as falhas uma da outra e também a si mesmas.

E estarão conscientes quanto ao fato de que no amor não há garantias. O verbo deve ser praticado dia a dia. E ainda sim, o outro pode decidir partir. O amor só existe quando na possibilidade de partir, a pessoa escolhe ficar. E para as pessoas maduras e conscientes, essa escolha é feita todos os dias.

Sim, em algum lugar, há uma pessoa: madura, corajosa e intencionada a criar uma relação rica, verdadeira e próspera.

O Mito do Amor Romântico está associado à história do amor que o Romantismo, desde meados do século XVIII “plantou em nós”. Desde então, regras, normas e ideias sobre o amor começaram a nortear nossas vidas – em especial os relacionamentos amorosos. O que é muito marcante nessa perspectiva é a idealização do outro e principalmente uma expectativa ingênua, eu diria, até mesmo infantil, de que o outro lê, ou deveria ler nossos pensamentos; que o amor é fácil e mágico; que em algum lugar há a tal “tampa para cada panela.”

 

Silenciosamente, essas ideias entram nas nossas mentes e nossos corações e são potencialmente nocivas para a possibilidade da construção de relacionamentos maduros e sustentáveis. “Ah, isso é amor”, “Isso não é amor”, quanto essas ideias já passaram pela sua cabeça? O fato é que dois adultos, podem construir o seu jeito de se relacionar, que demandará honestidade, respeito, carinho, cuidado, boa vontade, AMOR! Mas apenas se pensarmos no amor como essa construção da qual eu venho falando e se compreendermos que nada está escrito em pedra, ou pelo menos não deveria, aí sim, nos veremos mais livres dessa idealização do amor, para algo humanamente possível.

 

Então, volto ao meu insight que trouxe no início desse post. Não procure o bem fora se você não sabe o bem que tem. Se você não encontrar amor suficiente dentro de ti, se não compreender que você não precisa ser completada(o) é provável que você encontre muitas pessoas com as quais estabelecerá relações imaturas, nas quais você espera muito do outro, porque se sente menor, ou carente de um afeto, que precisa em primeiro lugar, vir de dentro de ti, para você mesma(o).

 

Você com certeza deve ter ao seu lado, pessoas que lhe façam bem. Mas em primeiro lugar, seja você a pessoa a se fazer bem. A começar por não aceitar que alguém esteja com você pela metade. Você não PRECISA de alguém, você pode QUERER construir uma relação especial com alguém, na qual as duas pessoas estão inteiras, dispostas a se relacionar de uma forma respeitosa, com parceria, companheirismo e amor, principalmente esse amor verbo, do qual venho falando tanto.

 

Quando a gente aprende a se relacionar com o outro de uma forma mais madura, compreende que há que se ter espaço para a individualidade de cada um, afinal é como li outro dia “Se o casal é um só, um dos dois já deixou de existir.”

 

Vejo muitas pessoas presas a relacionamentos difíceis, complicados, às vezes até mesmo abusivos, porque elas não se percebem como alguém capaz de viver sem o outro, de ficar sozinhas, mesmo que por um período, apenas. Há na maioria das vezes, uma relação de dependência muito grande.

 

Reflita sobre isso! Precisamos desnaturalizar muitos padrões nas relações afetivas que não são “assim mesmo”. Relacionamentos são desafiadores, são coisas de gente adulta, madura e com muita vontade de construir. Não é fácil, mas também não é guerra e deve ser motivo de alegria. O sentimento e a percepção que precisa prevalecer para o casal é o de que estão crescendo, evoluindo, à medida que a relação avança!

 

Faz sentido? Deixe seu comentário! Ficarei feliz e grata em saber sua opinião!     

 

Cicatrizes e Kintsugi: Como aprender com as dores sem se identificar com elas

  Esses dias relendo meus escritos não publicados, refleti sobre a importância das cicatrizes, mas também sobre outro fato igualmente impo...