O lema ‘querer é poder’ é a superstição do homem moderno. Para sustentar essa crença, no entanto, o homem contemporâneo paga o preço de uma incrível falta de introspecção. Não consegue perceber que, apesar de toda a sua racionalização e eficiência, continua à mercê de ‘forças’ fora do seu controle. Seus deuses e demônios absolutamente não desapareceram; têm apenas novos nomes. E o conservam em contato íntimo com a inquietude, com apreensões vagas, com complicações psicológicas, com uma insaciável necessidade de pílulas, álcool, fumo, alimento e acima de tudo, com uma enorme coleção de neuroses.
Conta a lenda que dormia
Uma princesa encantada
A quem só despertaria
Um infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A princesa adormecida se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino –
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora
E falso ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão e encontra hera
E vê que ele mesmo era
A princesa que dormia.
Convido-os a fazer uma viagem comigo através desse belo e
poderoso poema do grande Fernando Pessoa. Minha intenção é fazer um paralelo
entre ele e a nossa busca pelo autoconhecimento, autenticidade e o
desenvolvimento da maturidade psíquica. Esse caminho precioso, que nos permite
avançar na vida com sabedoria e coragem.
Ao longo das nossas jornadas, temos guias, mestres, pessoas
e acontecimentos que podem favorecer o nosso despertar, entretanto o principal
personagem nessa história somos nós mesmos.
“Vencer o mal e o bem” pode representar a busca pelas nossas
virtudes e colocá-las a serviço das nossas melhores intenções, sem desperdiçá-las
e sem ficarmos excessivamente encantados por elas a ponto de nos tornarmos
narcisos à beira do lago, prestes a nos perdermos na vaidade e no orgulho.
Autoestima é poder, mas narcisismo é a morte de qualquer
possibilidade de construção de relacionamentos ricos. “Vencer o mal e o bem”
também pode representar os desafios que forjam nosso caráter com hombridade.
“Se espera, dormindo espera” a gente se espera e nem sabe
disso, e a espera termina quando percebemos que a maioria das coisas que
buscamos fora na verdade está dentro. “Retirar a hera” e tomar contato com quem
verdadeiramente somos: sombra e luz, forças e fraquezas, virtudes e vícios
eleva nossa autoconsciência e a capacidade de agirmos com maior autenticidade e
claro, poder.
Se olharmos bem, durante muito tempo nas nossas vidas
vivemos como o infante e a princesa. Parcialmente consciente sobre quem somos.
“Ele dela é ignorado, ela pra ele é ninguém”.
Mas estamos salvos, porque “há um processo divino que faz existir a
estrada” e há o infante que não desiste da sua jornada, ainda que ela às vezes
lhe apreça confusa, complexa e sem sentido.
E de tanto buscar, e por não desistir de nós mesmos, “vencemos
estrada e muro” e nos tornamos quem somos. O desafio continua, pois o ciclo da
vida trará outros pleitos, mas agora, mais conscientes, maduros e autênticos,
seguimos com autoconfiança e coragem!
Espero que este texto lhe tenha tocado como tocou a mim à
medida que o escrevia. O processo do autoconhecimento é para a vida, sempre
teremos algo mais a descobrir. Eros e Psique habitam nosso ser e quando reconhecemos
e acolhemos esse poder, transformamos nossas vidas e com sorte, também
impactamos tantas outras.
Obrigada por estar aqui! Deixe seus comentários e
compartilhe este artigo se fizer sentido!
Você sabia que posso lhe apoiar nesse processo de autodescoberta e evolução?
Se quiser conhecer mais sobre a história de Eros e Psique: https://www.fafich.ufmg.br/~labfil/mito_filosofia_arquivos/eros_psique.pdf